O Prêmio Aurora para o Despertar da Humanidade foi criado em nome dos sobreviventes do Genocídio Armênio, em gratidão aos seus salvadores, sendo concedido anualmente a partir de 2016, em Yerevan, capital da Armênia. O prêmio é outorgado a uma personalidade cujas ações tenham tido um impacte excepcional na preservação da vida humana e no avanço das causas humanitárias.
A instituição que estabeleceu o Prêmio, 100 Lives, estipulou que o contemplado fosse agraciado com USD $ 100.000, tendo a oportunidade de nomear organizações que inspiraram o seu trabalho para receberem a soma de USD $ 1.000.000. O Prêmio deve sua inspiração a Aurora, deusa romana do amanhecer, e a Aurora Mardiganian, personalidade que testemunhou as atrocidades do Genocídio Armênio, tendo procurado sensibilizar o mundo para os crimes cometidos em 1915/1923 e, também, para asmilhares de histórias não contadas, de coragem e de sobrevivência, durante os eventos dramáticos dos últimos cem anos.
Em 2016, a primeira edição do Prêmio Aurora contou com o concurso de mais de 200 trabalhadores humanitários. O Comitê de Seleção teve que decidir entre um dos quatro finalistas: Marguerite Barankitse, fundadora da Maison Shalom e do REMA Hospital, no Burundi; Tom Catena, Diretor e Cirurgião do Mother of Mercy Hospital e o único médico presente nas Montanhas Nuba, no Sudão; Syeda Ghulam Fatima, ativista contra o trabalho forçado em olarias e Secretária-Geral da Frente de Libertação do Trabalho Forçado, do Paquistão; o Padre Bernard Kinvi, da Ordem de São Camilo e líder da Missão Católica em Bossemptele, República Centro-Africana.
A vencedora do Prêmio Aurora foi Marguerite Barankitse. Sobre a laureada, George Clooney sublinhou que, “reconhecendo a coragem, o compromisso e o sacrifício de Marguerite Barankitse, eu tenho esperança de que ela também possa inspirar cada um de nós a pensar sobre o que podermos fazer para nos levantarmos em nome daqueles cujos direitos são abusados e que têm mais necessidade de nossa solidariedade e apoio”. O Prêmio Aurora para o Despertar da Humanidade foi entregue no dia 24 de abril, em cerimônia realizada no Complexo de Esportes e Concertos Karen Demirchyan.
Marguerite Barankitse – Maggy, como ela prefere ser tratada – nasceu em 1957, em Ruyigi, no sul do Burundi, país da África Oriental, na região dos Grandes Lagos, com 28.834 Km2 e uma população de 11.179.000 de habitantes[4]. Ela estudou em Rusengo para ser Professora e, depois, fez três anos de estudos no Seminário, em Lourdes (França).
Em seu regresso ao Burundi, ensinou Francês no Ensino Médio, em Ruyigi, e supervisionou as atividades dos jovens após as aulas. Depois de ter estudado Administração na Suíça, em finais da década de 1980, Marguerite foi contratada pela Diocese de Ruyigi como Secretária. Ela iniciou o trabalho humanitário na década de 1990, no começo da Guerra Civil burundiana, junto dos grupos étnicos Hutus e Tutsis[5]. Em 24 de outubro de 1993, na cidade de Ruyigi, um grupo Tutsi, desejando vingar a morte de membros de sua etnia, assaltou os edifícios do Episcopado, onde alguns Hutus se encontravam refugiados. Tentando dissuadir os revoltosos da violência que os animava, Marguerite Barankitse foi sexualmente violentada e, em seguida, amarrada a uma cadeira, de onde assistiu, impotente, ao atear de fogo aos edifícios diocesanos e, mais tarde, ao assassinato de amigos seus, com facões e canas de bambu, por membros de sua própria etnia.
Algumas horas após o massacre, os filhos das vítimas começaram a sair dos esconderijos. Marguerite compreendeu, então, que sua missão consistiria, doravante, em salvar as crianças burundianas da subnutrição, da violência e da morte. Surgia, assim, a Maison Shalom – Casa da Paz – e, desde 2008, o Hospital REMA, fundado e dirigido pela Maison Shalom, que constitui, em nossos dias, uma infra-estrutura essencial para o sistema de saúde do Burundi. Apesar das adversidades que enfrentou, no dealbar de sua obra humanitária, lembra Marguerite Barankitse, “não desisti. Comecei com 25 crianças. Sete meses depois eram 300.
Dois anos mais tarde eram 4 mil. Mais de uma década depois, são uma multidão porque a guerra demorou muito tempo”. No início, “com a ajuda de católicos alemães e luxemburgueses, as Casas Shalom” – atualmente mais de 400 – “se estruturaram como ONG. Maggy doou a seus 10.000 filhos os terrenos de seus próprios pais, em Nyamutoto, onde se construiu uma aldeia inteira”. Duas décadas mais tarde, de seus filhos adotivos, “muitos deles hoje são médicos, engenheiros, advogados ou economistas”, declara, orgulhosa. Segundo informações, Maison Shalom salvou a vida de 30 mil crianças, enquanto que o Hospital REMA tratou, até hoje, mais de 80 mil pacientes.
Em entrevista recente ao Serviço Católico de Notícias, divulgada pela revista Catholic Herald, de Londres, Maggy destacou o papel da fé católica para conseguir cumprir a sua missão: “Se Deus não tivesse estado comigo, eu provavelmente teria tentado tirar a minha própria vida. Precisamos de nos apoiar uns aos outros como uma família humana, e para dizer ‘nunca mais!’. Não pode haver mais ditadores que oprimem o povo e recebem dinheiro e armas por parte da comunidade internacional. Como é que é possível que existam estes tiranos no século XXI? Temos que tomar as medidas adequadas”. Em maio de 2014, durante sua presença em São Paulo, onde participou no IV Fórum Momento Mulher, ao evocar o massacre de 1993, Marguerite recordou: “Das 72 pessoas que vi morrer, 62 eram de minha família entre tios, primos e sobrinhos. Mesmo assim, nunca considerei que quem fez aquilo era um criminoso. […] Mesmo assim, nunca considerei que quem fez aquilo era um criminoso”, afirmou. “Na hora, só conseguia me lembrar de minha mãe dizendo que minha vocação era distribuir felicidade”.
O Prêmio Aurora para o Despertar da Humanidade é, no âmbito da vida e obra humanitária de Marguerite Barankitse, mais um dos muitos reconhecimentos significativos que recebeu até hoje[6]. Chamada, em tempos, como uma santa no Inferno, o anjo do Burundi ou, até, como a louca do Burundi, a humanitarista burundiana tem dedicado sua vida às crianças vítimas das guerras tribais em seu país. O cuidadodesinteressado é, para ela, a tônica dominante num país e numa região dominados, desde há muito tempo, pelo ódio e pelo sofrimento de milhões de pessoas indefesas. Deste modo, se, para Maggy, “o mal nunca terá a última palavra, é o amor que triunfa”, urge que os Sacerdotes e Bispos católicos tenham presentes as recomendações de Marguerite Barankitse a respeito das crianças e jovens necessitados, proferidas em 2009, ante a II Assembleia Especial para África do Sínodo dos Bispos, a respeito das crianças e jovens: “Tende o valor de abrir-lhes as portas de vossos Bispados, conventos e casas para oferecer-lhes identidade, o afeto da família. Imitemos o Bispo de Os Miseráveis, de Victor Hugo, que abriu as portas de sua catedral, de noite, para oferecer hospitalidade a todos os pobres. Sim, devemos ter o valor de fazer de nossa África um lugar onde se possa ‘viver’ bem”.
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Imagem “Marguerite Barankitse recebe das mãos de George Clooney, em Yerevan, Armênia, o Prêmio Aurora para o Despertar da Humanidade” (Fonte):
(Fonte portal jornal.ceiri.com.br)